terça-feira, 11 de janeiro de 2011

"A vida é sempre a mesma para todos: rede de ilusões e desenganos. O quadro é único, a moldura é que é diferente."

"Talvez um dia entenda o teu mistério…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas! "


  Eu amo Florbela Espanca e tudo que ela representa para mim. Sou Florbelista. Comecei a escrever lendo Florbela. Quando li seu primeiro poema me assustei, senti que aquilo era meu momento, ela contava o que eu estava vivendo, era meu sentimento que estava ali, as palavras dela fluiam de mim, como se suas palavras fossem a minha confissão contada de uma forma bonita. Ela dizia com poucas palavras o que eu não era capaz em muitas linhas.
  Florbela sempre me emociona, cada gota de tristeza e amor que escorre de seus poemas eu sorvo com ardor e sua poesia passa a fazer parte de mim. Com sua poesias de profundo lirismo e grande erotismo, vem despertando interesse de muitas pessoas, sejam jovens ou não, apaixonados ou desiludidos, pessoas muito distantes dessa poeta e que por isso mesmo se sentem tão próximos e conectados.
  Muitas pessoas se identificam com suas poesias, seja pelo sofrimento, pelo desencanto, pelo desejo, pela solidão, ou pela ternura como tudo isso é descrito. Amamos Florbela por que a sua poesia nos conforta, nos faz sentir que em algum lugar somos iguais, somos entendidos por alguém.
  Mas gostar de Florbela, não quer dizer entendê-la. Amá-la não quer dizer conhecê-la. E se identificar com o que ela escreve não é saber o que ela pensava. Ler poesias é absorver as palavras e filtrar com o nosso sentimento, é trazer para o nosso espaço algo que nos é alheio, mas similar.
  Quando você lê um texto meu ou alguma poesia minha, você vai ver o que eu escrevi para mim, o que eu vivi com a minha mãe e o que eu esperava do meu pai, o que eu extrai da convivência com as minhas amigas, as minhas dores e alegrias com os amores, meus segredos e minha transparência, vai sentir minha decepção e meus desejos, minhas angústias e esperanças, vai se cortar com a minha ansiedade, vai vislumbrar meus sonhos e devaneios, ver as coisas que eu experimentei e as que eu fantasio.
  No final você ainda vai achar que escrevi para você, por você (muitos ex-namorados acham que minhas poesias são para eles, algumas são, nem todas). Vamos tentar obter respostas e continuar com as mesmas dúvidas. Mas você vai se sentir mais confortável ou desconfortável (as pessoas que não gostam de abrir certas feridas que dizem estar cicatrizadas). Vai achar tudo de uma beleza imensa ou vai se afastar dizendo que é tudo muito triste. Mas a verdade é que depois de ler você não vai mais estar indiferente.
  Mas então a identificação de algumas pessoas com a poesia, com os textos... é tudo mera coincidência?
  Para mim não... talvez seja apenas o fato de nós seres humanos, tão diferentes, sermos tão iguais. Com tantos sentimentos, com tantas formas de demostrar, resumimos tudo numa mesma coisa, uma mesma definição para um sentimento que cada um leva consigo de uma forma distinta. Épocas tão diferentes e as mesmas angústias, as mesmas dúvidas, as mesmas carências e desejos. Acho que isso é possível pela nossa infinita contradição.

EU
Até agora eu não me conhecia,
julgava que era Eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.

Mas que eu não era Eu não o sabia
mesmo que o soubesse, o não dissera...
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim... e não me via!

Andava a procurar-me - pobre louca!-
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!

E esta ânsia de viver, que nada acalma,
E a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!
(Florbela Espanca)

  Uma pessoa ao comentar sobre determinada poesia que escrevi me disse que se via naquela poesia, tinha os mesmos sentimentos, mas ao expressar o que aquela poesia significava para ela me fez rir um pouco, nunca pensei naquilo daquela forma, mas não a julguei, a pessoa não conhecia a história daquela poesia e nunca entenderia as metáforas que eu empreguei sem que eu lhe explicasse, e algumas vezes nem há explicação, é intuição... a gente se entrega e a poesia surge... os sentimentos se tornam palavras. E as palavras são interpretadas por quem lê (eu viajo na maionese lendo o que as pessoas escrevem, a gente tem hora que constroi uma história em cima de uma frase e complica coisas simples, esta sou eu... rs). O importante não é ter a definição do que foi pensando inicialmente, mas que a pessoa se conectou comigo, se sentiu acolhida e entendida e de alguma forma eu externei o que ela sentia naquele momento.
  Eu escrevo para mim, como forma de libertação, sendo poesias ou estes texto soltos, onde busco uma resposta, uma forma de reequilíbrio da minha razão com as emoções, os sentimentos tão intensos, que por vezes eu tento domar, outras entender, e por vezes tenho que me render a simplesmente sentir (e extravasar na escrita... sempre). Se mesmo assim, alguém consegue perceber semelhança nos pensamentos e proximidades nos meus sentimentos singulares, que assim seja. Para mim isso é identificação e não deixa de ser uma forma de aproximação.
  Por isso, se você puder se ver em algum poema meu, não se assuste. Talvez em algum lugar Florbela também ria de mim quando suspiro ao ler seus versos.