sábado, 5 de março de 2011

Igualdade de gêneros: contradições, limites e avanços.

  Tem muito tempo que quero escrever sobre issso, mas como ultimamente minhas palavras tem sido mal interpretadas e causado ofensas... decidi ir adiando e repensando o tema, até que hoje, em face da bendita TPM não resisti.
  Quando falamos em formas de opressão não se imagina as infinitas aflições das mulheres. Não em um contexto exclusivamente individual, mas num ambito coletivo mesmo, sócio-histórico-cultural. Ao longo dos anos identifica-se uma maior apropriação pelos homens do poder de escolha e de decisão sobre suas vidas, inclusive no exercício das atividades profissionais. Este é um processo que resulta em diferentes formas opressivas, submetendo as mulheres a relações de dominação, violência e violação dos seus direitos (sem aprofundar na violência doméstica, da evasão escolar devido à gravidez na adolescencia, do alto índice de contaminação pelo HIV e tantos assuntos que apontam para a necessidade e urgência da discussão do assunto).
  Biologicamente, existem diferenças entre o homem e a mulher. Desta forma são atribuídos ao homem e à mulher papéis impostos pela sociedade, os quais regem comportamentos pré-determinados como sendo característicos de uns e de outros.

  As mulheres só puderam votar a partir de 1968. Apenas puderam viajar sem autorização do marido a partir de 1969. A partir de 1975, o dia 08 de Março, foi consagrado o dia Internacional da Mulher. Apartir de 1975 a mulher possui o direito de voto sem qualquer restrição, tendo podido exercer esse direito já nas eleições para a Assembleia Constituinte. Em 1976 é abolido o direito do marido abrir a correspondência da mulher (juro que dá pra pensar que é piada).
  Apesar destes "progressos", as desigualdades existem em diferentes áreas. As mulheres trabalham muitas horas mais e as remunerações para cargos idênticos são menores. Continua a haver muita violência doméstica e continuam a ser prejudicadas na partilha das tarefas domésticas. E principalmente uma mulher que vá procurar emprego com idade entre os 30 anos, a primeira pergunta que lhe fazem é se está com intenções de engravidar. Por outro lado, as mulheres têm maior grau de escolaridade, sendo maioria em cursos de nível superior. Apesar de tudo, esta superioridade não se tem refletido em termos práticos ao nível da carreira profissional, havendo mais desemprego na população feminina ativa, nem nos salários, que para a mesma função, geralmente a mulher recebe uma remuneração inferior ao dos homens.
  Creio que ao longo do tempo muita coisa mudou, em vários prismas, mas na construção pesada a realidade da mulher ainda é muito discriminatória. Por ser um setor historicamente masculino as mulheres aindam enfrentam muitas dificuldades.
  As restrições sobre as contratações de mulheres no setor vão desde a possibilidade de gravidez, o ambiente com muitos homens ( o que sempre gera uma certa apreensão por parte da chefia sobre envolvimento afetivo), a necessidade de alojamento e banheiros separados e por ai vai. Os homens olham com desconfiança uma mulher de botina e capacete dando ordens (principalmente se for bonita). E algumas mulheres infelizmente fazem coro.
  Eu sempre soube que não é um ambiente acolhedor, mas fiquei surpresa ao vir pra cá e sentir que cai no século XVII.
  As pessoas prestam atenção em todos os detalhes da sua vida, profissionais ou não, e fazem da sua estadia um exercício de paciência.
  Tenho 6 anos de empresa, por ironia do destino meu namorado trabalha na mesma companhia (sempre jurei não namorar ninguém da empresa, engenheiro, e gente de obra, paguei língua 3 vezes em uma pessoa só), mas ele tem 3 anos de empresa. Isso quer dizer que tenho mais tempo de casa que ele. Mesmo assim muitas pessoas adoram dizer pelos cantos que estou aqui por causa dele. Como se o tempo em que eu ralei como estagiária de segurança do trabalho, depois como técnica, posteriormente como auxiliar de custos e agora como engenheira não existissem.
  Eu enfrentei muita coisa, já tive que fazer exame de bHCG (pra quem não sabe... o vulgo exame de gravidez) para ser admitida em uma empresa, já "levei" cantada de chefe que se acha por ser engenheiro, ganhar metade do salário para realizar o mesmo trabalho, não conseguir carona por ciúmes das esposas dos engenheiros (em obra de estrada a distância é fator preponderante e esse problema é mais comum do que você possa imaginar), perdi algumas oportunidades em obras por ser mulher, já ouvi muita recomendação sobre como me comportar, e muitas outras situações. Mas vivendo aqui e sendo tão vigiada eu me sinto perdida, julgada.
  Simplesmente anulam o mérito do meu trabalho, desmerecem os desafios que eu superei e colocam em xeque a minha competência. Nunca ouvi ou fiquei sabendo de uma piadinha contrária, tipo: _Nossa, o Engenheiro Fulano ta tendo essa oportunidade pq é namorado de Engenheira Ciclana. Ninguém questiona a ascensão dele na empresa ( a verdade é que ele merece e é excelente profissional), mas a minha tragetória na empresa é super elogiada por quem me acompanha desde o início. Sendo assim eu não deveria me chatear.
  Quem faz essas críticas normalmente são pessoas que não me conhecem, machistas em sua maioria (para não dizer em sua totalidade), homens que não convivem com mulheres independentes e mulheres que não sabem o que é ter uma vida própria, muitas casadas com engenheiros, frustradas, sem formação (ou não) e com uma vida fútil pela frente. Fazendo um serviço de amarelo com amarelo para preencher o tempo e o vazio de ser só a mulher de alguém enquanto não se é mãe de alguém (deixando claro que não é errado a mulher escolher ser dona de casa, desde que ela esteja feliz com isso e não jogue areia nas conquistas de quem fez uma opção diferente, algumas pessoas simplesmente querem mais que isso, mesmo que seja por um tempo).
  É o pior preconceito, a  mulher contra a mulher. É a hipocrisia de quem está travado e joga pedra em quem pode e quer voar. Para mim é a maior das contradições.
  Ninguém acha absurdo o fato de eu não ter o mesmo tratamento dos outros engenheiros, ter um salário muito inferior, ter que dividir um quarto, não ter um carro para me apoiar, ter meu potencial de trabalho sub-utilizado. Mas é incrível como as pessoas se incomodam quando numa sexta-feira eu passo maquiagem, coloco um vestido novo e tomo algumas cervejas. Niguém enxerga o fato de você estar em um país distante, longe da família, dos amigos, do namorado. Ninguém te convida para um jantar na casa dos casados. Ninguém se preocupa se você gostaria de sair e não tem transporte. Mas todo mundo repara na amizade que você tem com Beltrano, que claro, é um caso, por que nenhuma mulher solteira poderia ter só uma amizade num lugar como esse (gente me acode!).
  Ai que saudade. Saudade de poder ser eu. De receber meus amigos em casa. De poder assistir filme na minha sala com um amigo sem pensar que vou ser questionada por essa opção de lazer e nem pensar nessa hipótese. Saudade de confiar nas pessoas certas. Saudade de ter as pessoas certas do lado. De poder ligar e marcar um encontro que só vai demorar meia hora e melhorar uma semana inteira. Ai que saudade de ser verdadeira.
  Eu não fui criada assim. Quando eu tinha 14 anos meu pai disse que a minha vida era minha e eu era responsável pelas minhas atitudes e pelas consequencias dessas opções. Horas depois eu tinha a chave de casa. Depois disso, eu fiz da chave de casa a chave dos sonhos, e abri todas as portas que eu quis. Contrariando muitas afirmativas eu dei certo na vida (se é que isso existe). Mas hoje eu não mando nem no meu quarto, nem nas minhas visitas, nem nas minhas amizades, nem no meu ritmo de trabalho...
  As coisas aqui poderiam ser mais simples se as pessoas quizessem. Eu gostaria de poder  mostrar meu trabalho no escritório e fora dele não ter que provar nada à ninguém. Não faço questão que me amem, nem pretendo fazer amizades profundas aqui, eu fui contratada como engenheira pela minha capacidade e histórico profissional só gostaria de ser respeitada e reconhecida como profissional qua sou.
  Imagino que muitas mulheres como eu, sofrem para se afirmar na profissão. Provar capacidade acima do sexo, sempre. É uma guerra invisível, velada, sem fim.
  A igualdade de gênero significa aceitar e valorizar de igual modo as diferenças entre homens e mulheres. Significa a construção de uma autêntica parceria, com responsabilidades partilhadas, com o objetivo de eliminar o desequilíbrio entre a vida pública e a privada. Significa pôr ao serviço da sociedade as competências e talentos dos cidadãos e das cidadãs para a resolução dos problemas. Significa sobretudo não discriminar e reconhecer no outro a capacidade de fazer.

  O grande desafio do século XXI é sem dúvida o desenvolvimento de uma política integrada da igualdade do gênero em todos os programas das ações correntes. A mulher tal como o homem têm um papel fundamental e complementares para o equilíbrio social em que juntos poderão contribuir para edificar uma sociedade mais forte e saudável. Isto sim, seria viver num verdadeiro estado democrático.
  Mas muitas mulheres ainda não (re)conhessem essa realidade, o sonho da bela adormecida ainda pulsa latente em muitas, e a utopia de um tratamento mais igualitário e respeitoso não pertece à todas.
  Meus funcionários dizem que "la plata" tem poder. Eles estão certos. O amor ao dinheiro anda comprando muita coisa que em uma sociedade sadia não teria preço, inclusive a liberdade e autenticidade de muitas mulheres.
  No final só me pergunto por que a gente luta tanto? E mais: Vale mesmo a pena? Afinal nossos próprios discursos, certezas e convicções não estão isentos de problematizações. As mulheres que reclamam do machismo hoje são as mães dos machistas de amanhã. E o cliclo vicioso acaba quando?